quinta-feira, março 31, 2005
Terra de Pedra Na Chom (Cantiga Crioula de João Doido)
Terra longe de pedra na chom
chuva mansa ca ta gostâ del.
Nem mato brabo ta gostâ del.
- Coraçóm triste, nha coraçom,
amor pirdido ca ta conchel.
chuva mansa ca ta gostâ del.
Nem mato brabo ta gostâ del.
- Coraçóm triste, nha coraçom,
amor pirdido ca ta conchel.
M'a largâ teto de nha papai
m'largâ sombra de nha mamãe,
m'dispidi de nhas armon,
m'dexâ mato de nha arrebera,
note cerrado m'po pê na camim,
m'ba pa terra de pedra na chom,
m'panhâ pedra na chom,
m'lavantâ casa pa mim
ma pa nha coraçom...
«- Dam' teto pa nha casa»
m'desê nha terra brabo,
«Água de nhas ojo em brasa
é chuva que m'podê dábo...
Coraçom tem frio de nha peto.
M'dábo chuva de nhas ojo terra,
bô dam' casa sem teto...»
Terra brabo depôs falâ:
«- Fazê teto de nhas mato verde
que chuva de bôs ojo dâ»
Manuel Lopes, Faluncho Ancorado,
Lisboa, Edições Cosmos, 1997.
m'largâ sombra de nha mamãe,
m'dispidi de nhas armon,
m'dexâ mato de nha arrebera,
note cerrado m'po pê na camim,
m'ba pa terra de pedra na chom,
m'panhâ pedra na chom,
m'lavantâ casa pa mim
ma pa nha coraçom...
«- Dam' teto pa nha casa»
m'desê nha terra brabo,
«Água de nhas ojo em brasa
é chuva que m'podê dábo...
Coraçom tem frio de nha peto.
M'dábo chuva de nhas ojo terra,
bô dam' casa sem teto...»
Terra brabo depôs falâ:
«- Fazê teto de nhas mato verde
que chuva de bôs ojo dâ»
Manuel Lopes, Faluncho Ancorado,
Lisboa, Edições Cosmos, 1997.
Aiiii! Chamem a protecção dos ai-nimais!
Carregamento de Gado para o Barco
Foto de João Romão (1954)
Ao reler uma passagem de Os Flagelados do Vento Leste de Manuel Lopes, deparo-me com uma passagem(no último capítulo) que me recorda, as horas que várias vezes passei embarcada junto ao cais, à espera da partida do barco, que carregava gado para S. Vicente.
Aquelas cenas surreais de se ver os bois serem inçados por uma grua! Os pobres, assustados, não eram, em 2001/2, transportados como documenta esta foto de 1954, mas quase... No caso eram metidos numa rede, e de patas no ar lá iam inçados pela grua, a reclamar a sua sorte!...Difícil a vida dos homens, e mais ainda a dos animais! Já será momento de cuidar também da protecção aos animais, não?
terça-feira, março 29, 2005
sábado, março 26, 2005
sexta-feira, março 25, 2005
quinta-feira, março 24, 2005
Dia Q'Tchuva Bem
Após um ou dois dias de chuva, neste ano de seca, apetece-me ouvir esta música de esperança, do grupo caboverdeano Simentera, que muito vos remendo.
Dia q'tchuva bem_____________No dia em que a chuva vier
'M ta ba bscob, no bem dança __Eu vou-te buscar, nós vamos dançar
Um dança d'sperança pã ______Uma dança de esperança por
manhã _____________________um amanhã
q'tita tchtigá ________________que estará a chegar
Dia q'tchuva bem ____________No dia em que a chuva vier
'M ta ba bscob, no bem vuá ____Eu vou-te buscar, nós vamos voar
Um voo di sperança pã nôs ____um voo de esperança pela nossa
terra ______________________terra
q'no t'amá __________________que nós amamos
'M ta dançóbe no ar __________Eu dançarei no ar
ta pensá na nôs mnine _______Pensarei nos nossos meninos
ta pensá na sorrise d'um ______Pensarei no sorriso de um
lavrador____________________lavrador
'M ta vua ma bo______________Eu voarei contigo
d'riba d'midje ta crecê _______Sobre o milho que estará a crescer
ta pensa q'ma castigue ______Pensarei que o meu castigo
ja bem cabá _______________Já está a acabar
Comp ta florescê ____________O campo florescerá
'Sperança ta renascê _________A esperança renasce
pove ta voltá pâ sê enxada____O povo voltará para a sua enxada
gents ta tornâ sorri _________As pessoas voltarão a sorrir
Cabo Verde ta torna fluri _____Cabo Verde voltará a florescer
ta ser más fácil continuá _____Será mais fácil continuar
_________________Tété Alhinho_______________ [Tradução de Manu]
Dia q'tchuva bem_____________No dia em que a chuva vier
'M ta ba bscob, no bem dança __Eu vou-te buscar, nós vamos dançar
Um dança d'sperança pã ______Uma dança de esperança por
manhã _____________________um amanhã
q'tita tchtigá ________________que estará a chegar
Dia q'tchuva bem ____________No dia em que a chuva vier
'M ta ba bscob, no bem vuá ____Eu vou-te buscar, nós vamos voar
Um voo di sperança pã nôs ____um voo de esperança pela nossa
terra ______________________terra
q'no t'amá __________________que nós amamos
'M ta dançóbe no ar __________Eu dançarei no ar
ta pensá na nôs mnine _______Pensarei nos nossos meninos
ta pensá na sorrise d'um ______Pensarei no sorriso de um
lavrador____________________lavrador
'M ta vua ma bo______________Eu voarei contigo
d'riba d'midje ta crecê _______Sobre o milho que estará a crescer
ta pensa q'ma castigue ______Pensarei que o meu castigo
ja bem cabá _______________Já está a acabar
Comp ta florescê ____________O campo florescerá
'Sperança ta renascê _________A esperança renasce
pove ta voltá pâ sê enxada____O povo voltará para a sua enxada
gents ta tornâ sorri _________As pessoas voltarão a sorrir
Cabo Verde ta torna fluri _____Cabo Verde voltará a florescer
ta ser más fácil continuá _____Será mais fácil continuar
_________________Tété Alhinho_______________ [Tradução de Manu]
domingo, março 20, 2005
O Tempo da Flor
Aproveito o interessante título sugerido em ao longe os barcos de flores para iniciar o tempo da frol com esta bela cantiga de D. Dinis, que nos remete para essa reflexão "Haverá um tempo «da frol»?"
Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da flor
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.
Pero que troban e saben loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles poden, soõ sabedor
que os que i troban, quand' a frol sazon
á, e non-ante, se Deus mi perdon,
non an tal coita qual eu ei sen par.
Ca os que troban e que s'alegrar
van eno tempo que ten a color
a frol consigu'e, tanto que se for
aquel tempo, logu' en trobar razon
non an, non viven [en] qual perdiçon
oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.
D. Dinis (CV 127, CBN 489)
P.S. v. 1 - soen= costumam; v. 3 - frol=flor(tempo da frol=Primavera);
v. 5 - coita=sofrimento (amoroso); v. 10 - sazon=estação, tempo;
v. 14- eno= no; color=cor.
Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da flor
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.
Pero que troban e saben loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles poden, soõ sabedor
que os que i troban, quand' a frol sazon
á, e non-ante, se Deus mi perdon,
non an tal coita qual eu ei sen par.
Ca os que troban e que s'alegrar
van eno tempo que ten a color
a frol consigu'e, tanto que se for
aquel tempo, logu' en trobar razon
non an, non viven [en] qual perdiçon
oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.
D. Dinis (CV 127, CBN 489)
P.S. v. 1 - soen= costumam; v. 3 - frol=flor(tempo da frol=Primavera);
v. 5 - coita=sofrimento (amoroso); v. 10 - sazon=estação, tempo;
v. 14- eno= no; color=cor.
sábado, março 19, 2005
Dia do Pai
Milagre da Vida
Foto de Shadowplay
na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas,
s./l., Quasi Edições, 2001, p. 13.
quarta-feira, março 16, 2005
terça-feira, março 15, 2005
A bunda que engraçada
A propósito do estudo sobre o riso e a poesia erótica brasileira, apresentado nas Jornadas de Estudos Lusófonos - Universidade de Évora, aproveito para relembrar aqui o poema de Carlos Drummond de Andrade:
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, março 13, 2005
dá-me alguma da tua pele terra
tu que não me pedes nada e
me apareces de noite vestida de
nudez pele terra e me abres caminhos
para que te conheça dá-me algum
do silêncio que me dás para que
nele te diga pele terra se de noite
me apareces iluminada de muitos
pássaros a nascer e a voar a
nascer e a voar silêncio pele terra
para que te conheça dá-me o que
dás a todos e nunca deste senão
a mim pele terra tu que me dás
os gestos das minhas mãos
a música das minhas palavras que
me dás pele terra esconde-te
dentro de mim
tu que não me pedes nada e
me apareces de noite vestida de
nudez pele terra e me abres caminhos
para que te conheça dá-me algum
do silêncio que me dás para que
nele te diga pele terra se de noite
me apareces iluminada de muitos
pássaros a nascer e a voar a
nascer e a voar silêncio pele terra
para que te conheça dá-me o que
dás a todos e nunca deste senão
a mim pele terra tu que me dás
os gestos das minhas mãos
a música das minhas palavras que
me dás pele terra esconde-te
dentro de mim
José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas,
s./l., Quasi Edições, 2001, p. 71.
s./l., Quasi Edições, 2001, p. 71.
quinta-feira, março 10, 2005
Nu Mesti Skrebi na Kriolu, Moss!
"Institutu Kriolu Kabuverdianu ta kumunika tudu algen ki ta interesa pa dizenvolvimentu di Kriolu di Kabuverdi, ki Konselhu di Ministrus di Kabuverdi, na seson di trabadju, di dia 20 di Julhu di 1998, prova na Praia, ALUPEC - Alfabetu Unifikadu pa Skrita di Kabuverdianu - pa mudelu sprimental, duranti un periudu di sinku anu. O ALUPEC tem base latina, 23 letras e quatro dígrafos, obedecendo à seguinte ordem: A B S D E F G H I J DJ L LH M N NH N O P K R T U V X TX Z. Segundo o porta-voz do Conselho de Ministros, o ALUPEC tem "em conta a diversidade da língua cabo-verdiana em todas as ilhas", devendo apenas depois do período experimental pensar-se a sua introdução no sistema de ensino."
Soror Mariana - Beja
Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor
A minha solidão vê-se melhor
Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética, III,
2ª Ed, s./l, Editorial Caminho, s./d., p. 183.
[Este poema foi editado inicialmente em O Nome das Coisas, 1972-1973]
[Este poema foi editado inicialmente em O Nome das Coisas, 1972-1973]
quarta-feira, março 09, 2005
Alentejo
Pleonasmo em pleno monte
o silêncio do inaudível
ninguém o consegue ouvir
assim
defronte ao horizonte
o silêncio do inaudível
ninguém o consegue ouvir
assim
defronte ao horizonte
____________em breve surdo
há que pousar
eternos olhos postos na cegueira
eternos olhos postos na cegueira
____________;
esse silêncio embranquecido do olhar
Rita Taborda Duarte, Poética Breve
terça-feira, março 08, 2005
Para Além do Tejo
Quando enfim morreu o tempo
deixou a cada um
uma lembrança em testamento
Alguém ficou com o norte
Alguém ficou com o vento
e eu
tive o azar ou a sorte
de tomar conta do sul
que o tempo me deu por herança
uma casa de barra azul
e três grãos de areia branca
deixou a cada um
uma lembrança em testamento
Alguém ficou com o norte
Alguém ficou com o vento
e eu
tive o azar ou a sorte
de tomar conta do sul
que o tempo me deu por herança
uma casa de barra azul
e três grãos de areia branca
segunda-feira, março 07, 2005
sábado, março 05, 2005
quinta-feira, março 03, 2005
Há em qualquer parte a perfeição de uma clareira
e a sua pobreza extrema entre pedras e ramos
calcinados. Aí onde nenhuma bandeira se levanta
a cor do dia é aveludada e leve
e um barco imóvel está preso na areia.
Entre as ervas cintila um minúsculo diadema
e ouve-se a solar melodia das abelhas.
O segredo da água flui entre os juncos verdes.
Se algo se diz é apenas uma sílaba de sal
sobre a penugem de ouro de uma espessa planta.
Aí o olhar é justo nos limites da sombra
e a palavra suspensa no silêncio do enigma.
e a sua pobreza extrema entre pedras e ramos
calcinados. Aí onde nenhuma bandeira se levanta
a cor do dia é aveludada e leve
e um barco imóvel está preso na areia.
Entre as ervas cintila um minúsculo diadema
e ouve-se a solar melodia das abelhas.
O segredo da água flui entre os juncos verdes.
Se algo se diz é apenas uma sílaba de sal
sobre a penugem de ouro de uma espessa planta.
Aí o olhar é justo nos limites da sombra
e a palavra suspensa no silêncio do enigma.
António Ramos Rosa, Três, Lisboa,
Edição & etc, 1995, p. 14.
Edição & etc, 1995, p. 14.