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terça-feira, abril 25, 2006


S. Filipe
De http://www.sao-filipe.com/html/sao_filipe_vp.html

Carta Aberta Ao Presidente da Câmara de São Filipe:


Considerando a época e as regras de uma boa redacção, deveria, senhor presidente, começar por desejar-lhe “ um bom Sanfilipe” ao qual acrescentaria os votos de uma boa saúde e sucessos na vida familiar e profissional. Não o faço, porém: primeiro, porque detesto a paródia oportunista e de ostentação em que se tornou a festa- sendo a sua intervenção messiânica na noite de trinta de Abril a maior evidência, pelo não desejaria este ridículo nem ao pior dos meus inimigos; segundo, porque a sua vida familiar não me interessa; terceiro, porque o seu desempenho e o vergonhoso crime que vem cometendo contra o património histórico da cidade de São Filipe exigem que se grite “basta, Eugénio!”, antes que o vulcão expluda perante tanta ignomínia e tanta vontade de destruir.

Evidentemente que o senhor, na sua forma perversa e maniqueísta de interpretar a vontade popular, aliada, diga-se de passagem, a outras não tanto populares, que o elegeu, não escutará este “basta”, acreditando que, na qualidade de “eleito do povo”, tudo sabe e tudo pode e, desta arte, as ideias e realizações que forem (eu)genialmente surgindo da sua cabeça, nada mais são do que o querer do povo que, como dizia Zeca Afonso, “é quem mais ordena”. E assim, senhor presidente, temos a “democracia de um homem só” que não dialoga, que não questiona, que tudo sabe, que tudo faz, sempre guiado pelo espirito santo da “ vontade do povo” que o torna infalível. Não duvido que tal tese é inédita, valiosa e relevante para a consolidação do processo democrático, pelo que ficarei á espera que, um dia, escreva, conferencie e elucide os muitos ignorantes que, como este humilde escriba, ainda não compreenderam a complexidade desta verdade, para si, tão evidente.

Mas, senhor presidente, do alto desta minha ignorância, permita que denuncie o vergonhoso crime por si perpetrado ao descaracterizar totalmente a Praça do Presidio, transformando o que antes era um espaço triangular com simetria perfeita entre as suas diversas componentes, numa bizarra jaula, sem estética e sem lógica e de total anacronismo, aonde se pode ver o pôr-do-sol aos quadrados e quebrar a cabeça a pensar porque é que os canteiros apontam para um lado e a fonte para outra, para que servirão os dois mausoléus colocados nas suas extremidades ou como conciliar o pedestal e busto de Serpa Pinto, dos inícios do século passado, com o piso sintético e, a tudo isso, continuar a chamar “ zona histórica da cidade”? No ano da morte de Teixeira de Sousa, ele que fez tantas e tão belíssimas descrições deste espaço- será que já leu alguma, senhor presidente?- o senhor prestou-lhe uma não menos bela homenagem, destruindo o que a sua sensibilidade de escritor tentou preservar para as novas gerações. Já agora, senhor presidente, não teria sido melhor se, se tivesse optado por um recalcetamento e decoração nos moldes da calçada portuguesa, pelo reforço dos muros de protecção e revitalização das espécies vegetais, mantendo-se a função social da praça como espaço de circulação, convívio, descanso e lazer durante todo o ano, e não de efémera sala de baile por cinco dias?

Aliás, senhor presidente, não menos criminoso é o arame farpado que limita o largo do Presidio e o busto de péssima qualidade homenageando Pedro Cardoso; penso que em mais nenhuma cidade do mundo se teve esta ideia (eu)genial de honrar o seu poeta maior com delimitação de tal espécie.

“ The criminal always comes back to the place”- diz Sherlock Holmes. O senhor ainda fez melhor: não só voltou ao lugar como, encantado com a sua obra, decidiu repeti-la na “Praça João Pais”, em pleno centro histórico da cidade, à frente do edifício da Câmara a que preside, talvez porque do seu gabinete poderá deliciar-se em contemplar a sua (eu)genial obra. No ano da morte de Teixeira de Sousa que melhor homenagem senão a destruição de um dos espaços de localização de um dos seus mais emblemáticos contos: por acaso já leu “O Encontro”, senhor presidente? Mas não seria melhor, o senhor que tudo pode e faz, fazer ressuscitar o malogrado escritor e pedir-lhe que refaça a trama na qual os personagens não se apresentarão armados de varapaus, mas sim com espingardas e pistolas de raio laser e o Administrador ( o senhor evidentemente) se dirigirá ao povo por meio de um potente equipamento de som a partir do coreto iluminado a néon? Mas, senhor presidente, melhor não teria sido se, se tivesse optado pelo recalcetamento e outras intervenções que preservassem a traça original e toda a história que este espaço nobre comporta? É que está a ver, senhor presidente, os sobrados são do século passado, a igreja e toda a trama arquitectónica também; ou será que vai mandar baixar uma ordem para que todos sejam “modernizados”, segundo os cânones do “mamarracho” do senhor “Djédjé de Tutu” ou de outras construções recentes, por si autorizadas, em pleno centro histórico: varandas em betão e portas de alumínio?

“ Encostou-se à balaustrada do Alto de São Pedro...”- conhece, senhor presidente? Duvido, pois se assim fosse, não mexeria numa pedra do Alto de São Pedro que não fosse para preservar. O coreto por si erigido e aonde se poderá sentar, dando largas á sua importância que nem Odorico Paraguassu, no dia maior da festa de São Filipe, não tem enquadramento pois é estranho ao contexto que ditou a criação do espaço em referência: imagine uma visita de estudo dos alunos do Liceu no âmbito do conto “ Na corte de el-rei, D. Pedro” ( sim senhor presidente, é de Teixeira de Sousa): - bem, meus alunos, têm razão: este coreto e aquela coisa que “ninguém- sabe- o- que- é “, encostada ao sobrado do republicano Agnelo Henriques, não pertencem à época descrita por Teixeira de Sousa e tão-pouco a nenhum outro momento relativo ás convulsões sociais que abalaram a cidade; são intervenções de um outro D. Pedro que quis entrar à força na História: o presidente da Câmara de São Filipe, Eugénio Miranda Veiga. Mas o senhor não ficaria melhor na História se tivesse optado pela total recuperação do espaço e, quiçá, da casa que pertenceu ( ou, pelo menos, onde viveu) a Armand Montrond?

Criminosamente, senhor presidente, foram (estão a ser...) destruídos ( por si) três dos mais representativos espaços desta cidade nobre que um dia se sonhou poder vir a ser Património Mundial. E por falar nisso, não menos estranho e espantoso, é o silêncio do IIPC e das outras autoridades (leia-se Ministro da Cultura, Deputados e, inclusivé, Presidente da República) sobre tais crimes. Se ainda não tiveram conhecimento, é grave porque significa que não estão a trabalhar e não zelam devidamente pelo que é pertença de todos os cabo-verdianos... Se tiveram conhecimento, então, ainda é mais grave, posto que se transformam em cúmplices de um crime hediondo perpetrado sobretudo contra as novas gerações que têm direito ao conhecimento da sua história, da sua cultura e á construção da sua identidade. Se um dia alguém, à semelhança de Leão Lopes, pretender adaptar para o cinema qualquer obra relativa á cidade de São Filipe, terá sérias dificuldades em encontrar um espaço histórico que faça jus ao nome, sem colidir com as aberrações que agora foram introduzidas. Mas senhor, presidente, Cobom, Xaguate, Achada São Filipe, Beltchés, e Congresso, todas zonas de expansão da cidade, todas totalmente despidas de zonas de lazer e convivência, não têm direito a ter a sua praceta e outros equipamentos sociais?

Disse-me alguém serem tais obras (crimes) reveladoras da sua vontade em se recandidatar a um quinto mandato. Não merecemos tal (des)honra. Por nós já fez muito, transformando São Filipe num autêntico “padjigal”, cumprindo assim a sua inócua promessa eleitoral de melhor “ integração campo- cidade”. A sua capacidade e genialidade merecem um espaço em que poderá ser melhor visto e apreciado. Faça as devidas negociações no interior do seu partido e candidate-se por... Cidade Velha!... Imagine o que não poderia fazer para apressar a elevação á categoria de património Mundial: a Fortaleza, a Sé Catedral , o Pelourinho todos atapetados com piso sintético; as ruínas do seminário “ modernizadas e alargadas” de modo a poderem receber mais gente por ocasião dos festivais do PBS e outros; um coreto iluminado a néon e, o máximo senhor presidente, uma estátua sua com quinze metros de altura ( réplicas menores serão colocadas no Presidio, na Praça João Pais - que passará a ter o seu nome, e no Alto de São Pedro, todas como consequência de um movimento “espontâneo” de cidadãos expressando a não menos espontânea vontade popular) idênticas ás muitas que existiam na terra natal de Vlad Tepes- a Roménia onde estudou, e, hoje, felizmente, apeadas e votadas ao total esquecimento.


Sanfibila, 19 de Abril de 2006

(des)Respeitosamente,

Fausto Amarilio do Rosário

Ps.- E não se esqueça de levar consigo o autor desta expressão genial: “modernização da parte histórica”. Não sei se terá direito a uma estátua, mas decerto ganhará a Medalha Nacional da ... Asneira.

sábado, abril 22, 2006


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M.P.