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segunda-feira, janeiro 31, 2005

Ladrão de Afagos

Pudesse disfarçar-me num mendigo
desses aí com quem niguém se importa
- um vagabundo de feitio antigo...

...Ia bater agora à tua porta
e quando viesses te estendia a mão
esquecida de afagos - quase morta.

...Sentir na boca o gosto do teu pão
nos olhos o calor do teu olhar
o frescor da tua mão na minha mão...

Depois que te deixasses despojar
assim, eu ficaria então vingado:
- ladrão de afagos disfarçado
em mendigo nocturno da ilusão...

Manuel Santos-Lopes

domingo, janeiro 30, 2005

Herança (cantiga crioula de João Doido)

Rancóm'nhas sonhe
btóm ês na vente
sumenh'ás n'alma
de tude ês gente
cma flor cma erva
cma rosa d'spin

(tude cosa bom
tude cosa rum
- amor mizade
sodade
despreze
c'um tem na mim.)


Livióm'dês pese
qu'ês dom'na vida
e qu'um tem mede
d'levã ma mi
q'onde um bri porta
ness'hora morta
d'nha despedida...
Manuel Santos-Lopes, Faluncho Ancorado -Poesias
[Organização e Prefácio de Alberto Carvallho],
Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p.99.


Porto Novo, llha de Santo Antão

sábado, janeiro 29, 2005

Notas para uma Biografia


Manuel Lopes
Os Flagelados do Vento Leste

nasceu em Cabo Verde a 23 de Dezembro de 1907, e faleceu em Portugal a 25 de Janeiro de 2005. Os seus primeiros trabalhos literários vieram a público em 1927, no concurso de prosa anual.
1931-1933 - Colaborou nos jornais locais Notícias de Cabo Verde e Ressurgimento.
1932 - Integrou o grupo de intelectuais fundador da revista Claridade.
1944 - Foi para os Açores (Ilha do Faial) por razões de ordem profissional. Aí publica o seu primeiro livro de poesia. E, durante os onze anos que residiu nos Açores fez duas exposições de pintura com trabalhos seus.
1955 - Fixa-se em Portugal, e publica as suas primeiras obras de ficção: Chuva Braba (Prémio Fernão Mendes Pinto), Galo Cantou na Baía (Prémio Fernão Mendes Pinto) e Os Flagelados do Vento Leste (Prémio Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde).
1966 - Participou no VI Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros (nas Universidades de Harvard e de Columbia.

BIBLIOGRAFIA ACTIVA:


LOPES, Manuel, Paúl - Monografia Descritiva Regional, 1932, Cabo Verde;
Idem, Poemas de Quem Ficou, 1949;
Idem, Os Meios Pequenos e a Cultura (Ensaio), 1951, Açores;
Idem, Chuva Braba, Lisboa, 1956 [actualmente existe editado na Editorial Caminho]
Idem, Galo Cantou na Baía, 1959 [actualmente existe editado na Editorial Caminho]
Idem, Reflexões sobre a Literatura Cabo-Verdiana (Conferência), Lisboa, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1959.
Idem, Os Flagelados do Vento Leste, Lisboa Ulisseia, 1960.
Editado em 1991 por Vega, colecção Palavra Africana.
Idem, Crioulo e Outros Poemas, Lisboa, Edição do Autor, 1964.
Idem, As Personagens de Ficção e Seus Modelos (Ensaio), Separata de «Comunidades Portuguesas», nº 29, 1973.

sexta-feira, janeiro 28, 2005



Ta sta tê ta ripitidu!

terça-feira, janeiro 25, 2005

Manuel Lopes (n. 23-12-1907 - m. 25-01-2005)

Excerto da entrevista a Manuel Lopes, por Michel Laban:
«P. - Poderia evocar a Claridade? Como viveu o lançamento da revista?

Manuel Lopes - Simples. Um grupo de amigos pensou que se deveria criar uma revista que permitisse romper com a tradição clássico-romântica de motivos alheios à nossa realidade. Tínhamos matéria-prima que estimulava a nossa independência cultural. A tarefa era, portanto, fincar os pés na terra, pensar Cabo Verde, sentir Cabo Verde. Impunha-se aproveitar a matéria-prima local que os séculos de relativo abandono permitiram criar e conservar, urgia essa consciencialização. Assim nasceu a revista Claridade. Uma espécie de ovo de Colombo... A propósito da nossa revista, ocorre o apólogo de Chesterton, com que este autor inglês abre o seu livro Orthodoxy. "Já por diversas vezes imaginei escrever um romance sobre a aventura de um yachtsman inglês que, em virtude de cometer um ligeiro erro de cálculo na sua rota, veio a descobrir a Inglaterra sob a impressão de que se tratava de uma nova ilha..." Tudo parecerá novo e maravilhoso até à consciencialização da sua própria realidade, uma espécie de reencarnação de quem ressuscita ou julga valorização ou juízo das coisas que constituem um historial e uma rotina. Mas o propósito de fincar os pés na terra provinha da consciência duma individualidade própria, duma cultura bem caracterizada. Possuidores duma música e dança próprias, duma cozinha, de instrumentais lúdicos, e duma língua que só por si distingue o cabo-verdeano doutros povos, fácil nos foi achar a expressão dessa cultura através duma literatura original sem o esforço de procurar ser original, tanto escrevendo em crioulo como em português. A originalidade não residia em mostrar ser, mas, simplesmente, em ser. Na liberdade de expressão individual, sem programa determinado ("pode-se chamar programa ao simples propósito de fincar os pés na terra?"), libertar de preconceitos sociais, raciais, ideológicos e outros. Se me permite, vou ler-lhe esta passagem duma entrevista publicada no semanário açoriano A Ilha, há mais de trinta anos: "a revista Claridade foi antes de mais nada, a realização da necessidade de expressão de um grupo, isto é, resultou do floramento de experiências essenciais e, sobretudo, da tentação de exprimir de forma mais incisiva e aproximada o carácter caboverdeano..." e mais adiante: "Disse eu que a revista surgiu sem programa. Mas esse fincar os pés na terra teve para nós um significado especial. O impulso inicial implicaria esta metamorfose: em contacto com a terra os pés se transformariam em raízes, e as raízes se embeberiam do húmus autêntico das nossas ilhas. Claridade nasceu logo que a segunda fase da metamorfose se consciencializou..." A Claridade apresentou-se, segundo me parece, mais como testemunho social e telúrico de ipo específico, se assim me posso exprimir, do que político e ideológico (aliás os tempos não davam para aventuras do género, como é do conhecimento geral). Era a forma adequada, direi mais transparente, mais "inocente", de traduzir a nossa realidade. O conhecido apego à terra do povo caboverdeano e a emigração são duas condicionantes que demarcam as fronteiras do seu real quotidiano e caracterizam e justificam o seu comportamento no que diz respeito à luta pela sobrevivência, que naquelas ilhas é dramática, O passo inicial para a independência justifica-se pela cultura. O resto virá por acréscimo, como tempo e através da experiência e da observação. É melhor forma de fazer o boi andar à frente da carroça e não atrás...»
LABAN, Michel, Cabo Verde - Encontro com Escritores,
Vol. I, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, s/d.

De barões caçadores

Aproveito a sugestão de ASM em África Minha, nessa magnífica foto sobre a luta pela sobrevivência, para deixar também um contributo com esta foto que me foi cedida! ;) Obrigada pela explicação sobre o termo suã! E pela partilha desse espaço connosco.

Quotidianos em S. Filipe


Eis mais um barãozinho caçador de suã (Janeiro/2000 S. Filipe, Fogo) - Fotografia de Steve

sábado, janeiro 01, 2005

Calendário

Quem teve a ideia de cortar
o tempo em fatias,
a que se deu o nome de
ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar
no limite da exaustão.

Doze meses dão para
qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez,
com outro
número e outra vontade
de acreditar que daqui
p’ra diante vai ser diferente.


Carlos Drummond de Andrade