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terça-feira, novembro 23, 2004

Flagelados

O vento cortante de Fevereiro soprava desalmadamente na noite estrelada e fria. Não encontrando obstáculos corria livremente, sobre as ondulações do terreno despido de plantas, tornando maior o vazio envolvente e mais profunda a desolação nocturna dos campos. Só pelo ruído que a sua fricção produzia, Leandro percebia o que se achava à sua volta. O vento trazia-lhe aos ouvidos a forma e a natureza das coisas em que roçava, uma pedra, um muro, o tronco nu de alguma árvore solitária que os homens não conseguiram arrancar, um casinhoto descoberto, as paredes arruinadas duma casa abandonada com os seus oitões pontiagudos. Enquanto caminhava, ouvia o vazio e a ruína, pedaços de muros perdidos e o silêncio encolhido sob o contínuo gemer da ventania de Inverno.

Manuel Lopes, Flagelados do Vendo Leste, Lisboa, Vega, 1991