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quarta-feira, novembro 17, 2004

O Feitiço do Tabaco

"De ano para ano se aperta cada vez mais o cerco aos fumadores. É uma verdadeira perseguição, sobretudo da parte dos recentemente convertidos ao não tabagismo que, quais cristãos-novos da modernidade, barbaramente insistem em encomendar aos suplícios da fogueira nós outros, que, civilizada e democraticamente, respeitamos a sua péssima opção de renegar esse superior deleite que é namorar um cigarro ou um charuto.[...]

Por qualquer razão misteriosa a Igreja da Idade Média comparava o uso do tabaco ao adultério e, sendo certo que a relação não é evidente senão no facto de ainda hoje se atribuir ao fumo a diminuição da virilidade, é curioso como são no geral as mulheres que mais se encarniçam contra essa volúpia.[...]


A liberdade é precisamente esse poder de fazer ou deixar de fazer. Ainda há bocado discutimos isso num grupo. Mas, fumando diante de mim, você obriga-me a fumar objectou ela. De borla, disse-lhe, enfático, coisa, aliás, que ninguém tem coragem de reconhecer como uma injustiça, uma desigualdade. Num qualquer país que se pautasse pelos certos princípios de justiça social, certamente que o imposto especial será lançado sobre os não fumadores, esses privilegiados parasitas que beneficiam das delícias do fumo completamente de graça, que não gastam um tusto para alimentar vícios encobertos, antes os satisfazem às nossas custas, provavelmente à razão de um maço por dia ou mesmo mais! [...]"

Germano Almeida, "O Feitiço do Tabaco",
in Estórias Contadas, Mindelo,
Ilhéu Editora, pp.169-171.