top1comtitulo

quinta-feira, maio 19, 2005

Ao ritmo do Funaná

Muchim era temido por todos, desde a sua árdua adolescência nos arredores da ilha do carnaval. Ainda mocinho novo, a sua vida consistia em meter mão nas propriedades alheias. Segundo muitos, Ribeirinha era a sua segunda morada, outros afirmavam que ele conhecia a cadeia, como uma mãe conhece os próprios filhos. Em S. Vicente já não havia solução possível para ele , sendo ele um quarentão com aspecto de "vapor bedge", que outrora ia ao Porto Grande.
Foi transladado para a prisão de S. Jorginho, onde encontrou Pina e o Djodje, outros dois experientes no campo onde ele era especialista. Djodje era um velho amigo de Muchim, foram companheiros em várias jornadas, compartilharam celas em várias ocasiões, e de novo juntos relembrariam as experiências já vividas. Por sua vez, Pina era alto, escuro, e usava rasta. Estava atrás das grades por negociar " palha". Num belo dia em que o sol beijava o mar, e o mercúrio subia ao limite dos vinte graus, o trio resolveu quebrar a rotina com um som estupendo, que é o funaná…ideia de Muchim, que logo afirmou:
- Utilizarei a colher.
- E eu a gaita que me ofereceu Delmiro - acrescentou Pina com entusiasmo.
Só faltava o Djodje e ambos esperavam que ele desse a conhecer o instrumento com que tencionava acompanhá-los. Ficaram confusos ao ouvirem o Djodje:
- E eu matarei dois coelhos com um balaço. Segundos após, os gestos falavam por si, o Djedje retirava da algibeira do seu velho casaco de pele algo que lhe oferecera o seu cunhado Luiz, quando este o visitou pela primeira vez. Não era nada mais, nada menos que um serrote.
A música produzida por eles soava bem melhor que a reputação dos três, o que fazia lembrar Assomada na época das águas, onde muitos tocavam nas portas em troca do "midje assadu".
Mesmo os dois polícias de serviço participavam no coro, o ritmo começava a aquecer. A voz do Pina dominava as melodias, o que significava que além do reggae, ele gostava de outras ondas.
Depois de vários funanás, já não se ouviam as vozes dos guardas. Pois dormitavam na cela vizinha. Subitamente a música terminou. E após uma longa espera, um dos guardas resolveu investigar o porquê da longa espera, tão grande foi o seu espanto que gritou:
- Fugiram, fugiram.
Ana Isabel Castanheira