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domingo, fevereiro 20, 2005

Ser Poeta

[...]Foi quando o Voz di Letra publicou o seu poema «Cabo Verde terra de saudade» que decidiu iniciar-se no cachimbo. Eu tinha achado que aquela coisa que ele chamava de poema não passava de um amontoado de frases feitas e lugares-comuns indignos de figurar num jornal que se pretendia literário. Isto é uma tcholdra, tinha-lhe dito, apenas um monte de palavras tolas. Onde está a lógica de sentires saudades de um lugar onde estás e donde aliás nunca saíste? Mas pacientemente ele explicava que um poeta não é só ele, um poeta exprime sobretudo os sentimentos alheios porque poeta de facto é só aquele que é capaz de ter uma relação de tal modo forte com o seu povo que o que ele exprime não seja senão a expressão do seu povo. Ora se te lembrasses que a maioria do nosso povo é forçada a viver no exterior do país sofrendo as agruras da emigração, poderias compreender o meu poema. De qualquer forma, disse com maldade, é fora de dúvida que só por falta de colaboração é que publicaram aquela coisa. O Meu Poeta não gostou deste comentário e lançou-se num longo discurso sobre a minha ignorância dos aspectos políticos da poesia, da arma mortífera que a poesia tinha representado durante a gloriosa luta da nossa libertação nacional e do papel que ainda lhe estava reservado na congregação de todos os nossos irmãos em torno da Mãe-Pátria e terminou por me fulminar com uma citação que disse ser de Fernando Pessoa segundo a qual ele seria um homem que é poeta, eu um animal que fez versos.


Germano Almeida, O Meu Poeta,
Lisboa , Editorial Caminho, 1992, p. 47.